

Nós sempre achamos que isso era coisa só dela.
Todas as noites, exatamente às 19h, a Vovó Ina se serve de uma taça de vinho — a mesma taça verde, a mesma cadeira de sempre, não importa onde esteja. Não importa se há uma festa de aniversário, um alerta de tornado ou se ela está doente de cama. Esse vinho é servido.
Ela tem 105 anos agora. Ainda esperta, ainda teimosa, ainda julgando cada decisão que tomo com uma sobrancelha erguida e um gole.
Ontem à noite, éramos só nós dois na sala. Silêncio. O tipo de silêncio que faz você dizer coisas que normalmente não diria.
Então perguntei a ela: “Por que você faz isso? O vinho. Qual é o real motivo?”
Foi então que ela parou, com o copo a meio caminho dos lábios. Por um instante, pensei que ela não tivesse me ouvido. Mas então ela abaixou a taça e a colocou delicadamente sobre a mesa, olhando para mim como se estivesse ponderando a decisão de compartilhar algo que estivera escondido por tanto tempo.
“Você realmente quer saber?” ela perguntou, com a voz mais suave do que o normal, mais vulnerável.
Concordei. Eu sempre me questionei. Durante toda a minha vida, isso tinha sido uma constante. Havia um conforto na rotina — o ritual de vê-la bebericando seu vinho, sempre às 19h, sempre na mesma cadeira, sempre com um leve, quase imperceptível suspiro de alívio. Era parte dela, parte da estrutura da nossa família. Mas, na noite passada, por algum motivo, a pergunta parecia exigir uma resposta.
A avó Ina recostou-se na cadeira, olhando para o teto como se as memórias que ela estava prestes a compartilhar estivessem em algum lugar lá em cima, esperando para serem arrancadas do ar.
“Você não vai gostar disso”, ela disse, com a voz embargada pelo peso dos anos.
“Estou ouvindo”, eu disse, sem saber o que ela queria dizer, mas sentindo uma curiosidade inquieta crescer.
Ela respirou fundo e lentamente, os dedos se fechando em torno da haste da taça. “Tudo começou quando eu tinha mais ou menos a sua idade — jovem, cheia de esperança. Eu tinha uma vida pela frente, assim como você. Eu tinha sonhos, ambições e um homem que eu amava. O nome dele era Henry.”
Eu nunca a tinha ouvido falar de Henry antes. Ela nunca tinha mencionado muita coisa sobre o passado, além das histórias habituais sobre reuniões familiares, feriados ou os pequenos contratempos engraçados que pareciam marcar sua juventude. Mas isso era diferente. Era algo novo.
Ela suspirou novamente, com o olhar distante. “Henry e eu deveríamos ser felizes, sabe? Deveríamos ter tudo — bons empregos, uma casa, filhos. Mas a vida nem sempre é como a gente quer. Henry não era tão forte quanto eu pensava. Ele tinha um temperamento forte. E esse temperamento forte… levou a coisas que nunca vou esquecer.”
Senti um aperto no estômago. Eu sempre soube que a vovó Ina tinha passado por momentos difíceis, mas não esperava por isso.
Ela respirou fundo novamente, como se estivesse reunindo forças para continuar. “Ele começou a beber. No começo, era só um copo de uísque de vez em quando, mas logo passou a ser todos os dias. Depois, tornou-se mais do que isso. Era o álcool. E era a raiva. Era uma bagunça, e eu não sabia como resolver. Eu não sabia como fazê-lo parar ou como me impedir de ser sugada por aquilo.”
Fiquei em silêncio, sem querer interromper. Ela estava me contando algo tão profundamente pessoal. Esse era um lado dela que eu nunca tinha visto antes, um lado que eu nunca pensei que veria.
Um dia, ele chegou tarde em casa — bêbado, claro. Estava com raiva de algo trivial, nem me lembro o quê. Mas me lembro do olhar dele. Do jeito que ele bateu a porta e gritou comigo. Naquela noite, me vi em uma situação que nunca imaginei que me encontraria. Ele me bateu, pela primeira vez. E não foi só um tapa. Foi um soco.
Eu ofeguei, meu coração doendo por ela. A vovó Ina, a mulher que sempre pareceu indestrutível, a que me fez acreditar que tudo sempre ficaria bem, tinha suportado isso?
Ela deu um sorriso fraco, os olhos vidrados de uma tristeza distante. “Eu não sabia o que fazer. Não sabia como deixá-lo. Mas sabia que não podia ficar naquele ambiente. Então, fiz o que qualquer mulher desesperada faria. Fiquei quieta. Fingi que tudo estava normal. Mas todas as noites eu me servia uma taça de vinho. Não porque gostasse, mas porque me ajudava a anestesiar a dor. Me ajudava a esquecer, mesmo que por pouco tempo.”
Eu mal conseguia respirar, o peso das suas palavras me oprimia. Ela vinha se apegando a isso há tantos anos. E aqui estava eu, sentado ao lado dela, ouvindo uma parte do seu passado que era tão dolorosa, tão crua.
“Mas essa não foi a pior parte”, continuou ela, as palavras saindo mais rápido agora, como se a represa tivesse se rompido e não houvesse como parar o fluxo. “A pior parte foi o que aconteceu depois que comecei a beber. Eu não fui embora. Eu não conseguia. Eu dizia a mim mesma que era pelo bem da família, pelo bem do nosso filho, Sam. Mas a verdade era que eu tinha muito medo de encarar a vida sem ele, mesmo sabendo que ele não era bom para mim.”
Meu coração se partiu por ela, pela força que deve ter sido necessária para suportar aquela vida. Pensei na vida que ela construiu depois — seu comportamento estoico, seu inabalável senso de independência — e percebi que tudo havia sido forjado por anos de dor silenciosa.
Só muito mais tarde, depois que nos separamos, percebi o que tinha acontecido. O vinho não era apenas uma muleta; tinha se tornado parte de mim. Eu o usava para sobreviver, para superar os dias mais sombrios. Mas o que eu não via era que havia me tornado dependente dele, assim como Henry havia se tornado dependente do álcool. Eu não estava melhor.
A Vovó Ina fez uma pausa, com os olhos cheios de arrependimento. “Eu não sabia como parar. Não sabia como me desfazer daquela coisa que me manteve viva por tantos anos. Virou um ritual, um conforto. E é por isso que tomo minha taça de vinho todas as noites desde então. Não porque preciso agora, mas porque me lembra de quem eu era naquela época. Me lembra da minha força. A cada gole, a cada noite, lembro a mim mesma que sobrevivi. Superei o pior.”
Eu não sabia o que dizer. Minha avó passara 80 anos agarrada a algo que fora um símbolo de sobrevivência, um símbolo de força. E eu finalmente entendi por que o vinho era tão importante para ela. Não se tratava apenas do ritual; tratava-se de retomar o controle de um mundo que tantas vezes o havia tirado dela.
“Mas vovó”, sussurrei, “você não precisa mais disso. Você superou. Você já é forte o suficiente agora, sem isso.”
Ela sorriu para mim, um sorriso sincero e suave, do tipo que só alguém que passou por dificuldades pode dar. “Eu sei, querida. Mas às vezes, nos apegamos às coisas porque elas nos lembram de quem fomos. E às vezes, nos apegamos a elas porque são tudo o que nos resta. Mesmo que não precisemos mais delas, nem sempre sabemos como nos desapegar.”
Assenti, entendendo mais do que jamais imaginei ser possível. A vida nem sempre é o que parece. Nem sempre vemos as lutas ocultas que os outros carregam, as batalhas silenciosas que travam todos os dias. E, às vezes, as coisas que parecem mais comuns — os pequenos rituais — são as que carregam o maior peso.
A vovó Ina e eu ficamos ali sentadas por um tempo, enquanto a noite mergulhava em um silêncio tranquilo. Pela primeira vez, senti que a entendia de verdade. A mulher que sempre fora a rocha da nossa família, aquela em quem todos nos apoiávamos, tinha suas próprias cicatrizes ocultas. Mas, apesar de tudo, ela aprendera a sobreviver — e a viver.
Antes de eu ir para a cama, ela me olhou com um brilho nos olhos. “Você tem razão, querida. Não preciso mais do vinho. Mas ele faz parte de mim há tanto tempo. Talvez um dia eu o deixe ir. Mas, por enquanto, ele permanece. Faz parte da minha história. E todos nós precisamos das nossas histórias.”
Ao sair do quarto dela, percebi a importância de honrar o nosso passado, por mais difícil que seja. Às vezes, as coisas que carregamos conosco não são apenas uma questão de sobrevivência — são uma questão de lembrar quem fomos, para que possamos apreciar o quanto avançamos.
Então, se você está se apegando a algo do seu passado, algo que está com você há muito tempo, saiba que está tudo bem. Você não precisa abrir mão de tudo de uma vez. Mas lembre-se: você tem força para seguir em frente, mesmo que leve tempo.
Se esta história repercutiu em você, compartilhe-a com alguém que talvez precise ouvi-la.
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